terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Carta a Friedrich Engels

Carta a Friedrich Engels
(em Ryde)

Karl Marx


[Londres], 25 de Setembro de 1857
[...] O teu "Army"(1*) está excelente; só que a extensão é para mim como uma pancada na cabeça porque trabalhar tanto te há-de ser prejudicial. Nomeadamente, se tivesse sabido que irias trabalhar pela noite dentro, teria preferido mandar o assunto para o diabo.
A história do army realça com mais evidência do que nada a correcção do nosso modo de ver a conexão das forças produtivas e das relações sociais. De um modo geral o army é importante para o desenvolvimento económico. Exemplo: o salário [Salär], completamente desenvolvido em primeiro lugar no exército, entre os Antigos. Assim, entre os Romanos, o peculium castrense(2*), primeira forma jurídica em que [é] reconhecida à propriedade mobiliária dos não pais de família. Assim, o sistema gremial na corporação dos fabri(3*). Assim, a primeira aplicação, aqui, da maquinaria em grande. Mesmo o valor particular dos metais e o seu Use(4*) como dinheiro parecem originariamente — logo que passada a Idade da Pedra, de Grimm — assentar na sua significação guerreira. Também a divisão do trabalho dentro de um ramo, levada a cabo em primeiro lugar nos exércitos. Aí resumida, além disso, de maneira muito concludente, toda a história da sociedade burguesa [bürgerliche Gesellschaft]. Se alguma vez tiveres tempo, é deste ponto de vista que um dia tens de elaborar o assunto.
Os únicos pontos omitidos na tua exposição, em meu entender, são: 1. o primeiro aparecimento acabado do mercenarismo em grande e at once(5*) entre os Cartagineses (consultarei para nosso private use(6*) Um escrito de um berlinês[N285], de que só ultimamente tomei conhecimento, sobre os exércitos de Cartago); 2. o desenvolvimento do sistema do exército em Itália, no século XV e princípio do século XVI. Em todo o caso, truques tácticos preparados aqui. Ao mesmo tempo, descrição extremamente divertida de Maquiavel (copiá-la-ei para ti) na sua História de Florença, sobre a maneira de combater dos condottieri[N286] (mas quando eu for a Brighton ter contigo — quando? — antes te levo o volume de M[aquiavel]. A História de Florença é obra-prima). Finalmente, 3. o sistema de guerra asiático, tal como aparece primeiro entre os Persas e depois modificado de muito diferentes maneiras entre Mongóis e Turcos. [...]

Notas de rodapé:

(1*) Em inglês no texto: "Exército". Trata-se do estudo de Engels. Armee: ver K. Marx/F. Engels, Werke, Bd. 14, Berlin 1961, pp. 5-48. (Nota da edição portuguesa.)

(2*) Em latim no texto. Pecúlio do soldado no activo. (Nota da edição portuguesa.)

(3*) Em latim no texto. Equipas de trabalho junto das tropas, artesãos militares na Roma antiga. (Nota da edição portuguesa.)

(4*) Em inglês no texto: uso. (Nota da edição portuguesa.)

(5*) Em inglês no texto: de uma só vez. (Nota da edição portuguesa.)

(6*) Em inglês no texto: uso privado. (Nota da edição portuguesa.)

Notas de fim de tomo:

[N285] Trata-se, evidentemente, da obra de W. Bötticher, Geschichte der Carthager (História de Cartago), Berlim, 1827, consagrada fundamentalmente à história militar de Cartago.

[N286] Condottieri: chefes de destacamentos militares mercenários em Itália nos séculos XIV-XV.

Fonte: http://www.marxists.org/portugues/marx/1857/09/25.htm

Nenhum comentário: